domingo, 25 de outubro de 2015

21 de fevereiro - de Coroico a Copacabana

Acordei bem cedo, levantei devagar pra não acordar o povo que ainda estava dormindo, peguei toalha e sabonete e saí pra tomar banho. E tomei uma ducha fria, porque o Inti, dono do hostel, ainda não tinha acordado e o aquecimento é desligado à noite. Bom, vejamos pelo lado bom: já despertei rapidinho, pronto pra um dia que prometia. Tomei o banho, me vesti e fiquei fotografando a paisagem enquanto era o único de pé no hostel.

-- acordar com uma vista dessas... --

-- manhã em Coroico --

-- dormi ao som desse riachinho, que corre atrás do dormitório --

O Inti saiu e ficou surpreso -- e meio encabulado -- de me ver de pé, e se prontificou a preparar o café da manhã. E voltou com um café da manhã simples, muito simples, mas que foi o melhor desjejum de toda a viagem!

-- panquecas, doce de leite, café forte e creme de leite --

Esse café da manhã foi um espetáculo, de verdade. Sério. Enfim... PUTA QUE CAFÉ DA MANHÃ BOM! Mas enfim, tomei esse desjejum -- que tava muito bom, é sério! -- arrumei a mochila na moto, troquei uma ideia com o Inti e a mãe dele sobre a Ruta de la Muerte, me despedi dos outros hóspedes e parti. A gente sai de Coroico, que é meio subindo a montanha, desce até Yolosa, que é um pueblito lá embaixo, anda um pouquinho e de repente...

-- "conserve su izquierda": começou! --

A estrada começa tranquila, descendo um pouco, passando por pequenos riachos que formam umas lagoinhas, umas cascatas, muitas árvores e vegetação tipicamente tropical.

-- até aqui, tudo bem --

 -- tem até sombra, olha que loko --

Aí a estrada começa a subir um pouco e você lembra que tá na Cordilheira dos Andes. Eu fiquei encantado com a beleza, mas também diminuí bem a velocidade, porque as curvas fechadas e o abismo começaram a me intimidar.

-- nessa parada eu já comecei a respeitar --

 -- sem derrumbes, por favor! --

Mas a natureza intimidante também proporciona paisagens incríveis. É impossível mostrar com fotos ou explicar com palavras. Pilotar uma moto em uma estrada como essa, tão incrustada na natureza, com tucanos dando rasantes sobre a sua cabeça, é uma coisa assim, meio que, um pouco, muito... indescritível.

 -- !!! --

-- é lindo, mas olha a largura da estrada... --

-- cara... --

-- pensa num chão escorregadio --

-- olha lá a Helga --

-- e pensar que era cheio de caminhões pra cima e pra baixo... --

Depois as coisas começam a ficar diferentes. A vegetação vai ficando mais rasteira, a montanha já não é tão úmida, os abismos são bem mais intimidantes e as nuvens vão chegando mais perto.

 -- chegar perto da beirada pra tirar fotos: nada legal --

-- chegando ao final do passeio --

-- um vilarejo fantasma! --

 -- última foto antes de pegar a estrada --

Saí do Camino de la Muerte -- vivo, por sinal -- parei no postinho do tiozinho que abastece de boas, cortei La Paz em meia hora e resolvi que não ia almoçar, tocaria direto pra Copacabana.

-- hasta la vista, La Paz! --

E peguei a Ruta Nacional 2 rumo ao Lago Titikaka. A estrada tinha vistas bonitas, quase sempre com picos nevados ao fundo.

 -- Denver, Colorado. mentira, ainda são os arredores de La Paz! --

E de repente apareceu o lago. Cara, mesmo sabendo que é o maior lago da América do Sul, fiquei espantado com o tamanho do bicho.

-- o lago e... mais montanha! --

-- barca em San Pablo de Tiquina para atravessar o lago... --

-- escolhe uma e vai que vai --

-- ué, sozinha? --

-- rumo a San Pedro de Tiquina --

E já do outro lado do lago, depois de pilotar uns 20 ou 30 minutos, enxerguei Copacabana lá embaixo às margens do lago.

-- já tava cansadão --

-- bienvenidos! --

-- um guerreiro inca protege a avenida principal --

Cheguei no Hostel Las Ollas, cujo proprietário -- que eu esqueci o nome -- é gente fina demais. Sujeito simpático, gente boa mesmo. Me mostrou o hostel e o hotel, que são separados mas juntos, um negócio muito loko mesmo, difícil explicar. Mas é muito bonito, de frente pro lago, uma vista incrível. E eles têm umas alpacas que ficam pastando ali no hostel, eu dei trigo pra elas comerem, foi muito da hora.

-- o anoitecer visto do meu quarto --

-- o quarto --

-- vista da cama --

-- o lavabo --

-- a lareira --

-- as alpacas --

Foi a melhor hospedagem da viagem, com certeza. E a ducha deles foi a única que ganhou da ducha em Coroico. Paguei um pouco mais caro: enquanto a média da viagem foi de 12 dólares por pernoite, aqui eu paguei 30 dólares [lembrando que, na época, o dólar tava R$ 2,50]. Subi ao restaurante, tomei um caldo de abóbora com carne seca [bem brasileiro, né?], tomei um suco de limão e voltei pro quarto pra dormir no calorzinho da lareira, repensando este que foi um dos melhores dias desta viagem.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

20 de fevereiro - de La Paz a Coroico

Acordei cedo, tomei café e fiquei pesquisando sobre o Camino a los Yungas, também conhecido carinhosamente como "Ruta de la Muerte" ou "El Camino Más Peligroso del Mundo". Não é exagero: acontece que a estrada ficou famosa pelo seu perigo extremo, com uma média de 209 acidentes e 96 mortes por ano! A estrada tem 65 km, é toda de rípio [cascalho], tem ladeiras íngremes, curvas fechadas e boa parte do tempo possui apenas 3 metros de largura; de um lado a montanha e do outro um abismo que chega a 600 metros de altura em alguns trechos. Nessa estrada, a mão é invertida: você tem que se manter à esquerda da via. Isso serve para que o motorista fique do lado de fora da estrada, podendo enxergar onde a roda está passando.

-- sente o drama --

Mesmo sabendo que hoje em dia a ligação entre La Cumbre [4000 metros de altitude] e Coroico [1500 metros] é feita por uma estrada nova, asfaltada e bem sinalizada, e que a Ruta de La Muerte se tornou apenas uma atração turística [é cheia de ciclistas fazendo downhill], achei bom dar uma perguntada pro pessoal que tinha descido um dia antes. A principal informação que me deram era que tinha muitos ônibus e vans que desciam para dar suporte aos ciclistas e que a mão de quem desce é pro lado do abismo.

Ouvi as dicas, corri na Honda, peguei a motoca, voltei pra Casa de Ciclistas, arrumei minha mochila, me despedi do pessoal e saí rumo a La Cumbre, que é um ponto alto nos arredores de La Paz.

-- La Paz ficando pra trás: repare no boneco 
pendurado no poste e leia a notinha no fim do post --

Pra minha surpresa, nenhum posto de gasolina dentro de La Paz estava disposto a abastecer veículos estrangeiros. Nem em galões. E o combustível não daria pra chegar em Coroico. E no último posto antes de chegar a La Cumbre, o dono do posto me informou que assim que a estrada começasse a descer, depois do túnel, antes da entrada pra Ruta de la Muerte, havia um posto que não tinha fiscalização nenhuma, que lá eu conseguiria abastecer.

-- !!! --

Um pouco depois de passar pela placa da lhama, cheguei a La Cumbre e fiquei mais tranquilo. Afinal, daqui pra frente era descida toda vida, e se acabasse a gasolina eu ia na banguela até achar o posto que o tiozinho me disse. Desci um pedaço e me deparei com uma fila de carros. Fui passando com a moto e, quando cheguei mais embaixo...

-- um derrumbe! --

Uma porra de um deslizamento fechou a estrada. Parei a moto lá na frente da fila de carros e fiquei por ali, tentando saber quanto tempo demoraria pra abrirem passagem. Pensei em dar meia volta e ir embora pra Copacabana, deixar pra ir a Coroico na volta, mas me distraí prestando atenção no povo conversando, na paisagem, nas pessoas que vinham puxar papo, perguntar da moto. Então comecei a conversar com um rapaz que estava voltando pra Yolosa, uma cidade vizinha a Coroico. Seu nome é Ariel. Ele me contou como a vida do boliviano é difícil e como era ainda mais difícil antes dos governos de Evo Moralez. Contou como a população indígena era grata a esse governo e como as coisas melhoraram, apesar de ainda estarem longe de estar boas.

-- espero que o Ariel (à direita) não se chateie com a publicação da foto --

Ariel começou a estudar engenharia agrícola, mas precisou largar os estudos para ajudar seus pais na lavoura. E ele fala disso com a mesma serenidade que conta quando viu o Ronaldinho quase morrendo em campo por causa da altitude em La Paz [The Strongest 1 x 2 Atlético MG, Libertadores de 2013]. Conversamos animadamente por mais de duas horas, até que ouvimos um pessoal comemorando: haviam aberto a passagem. Nos despedimos, subi na moto e atolei na passagem. Os trabalhadores vieram de pronto, quase carregaram a moto no braço e me ajudaram a sair daquele mar de lama. Daí pra frente, foi abastecer e seguir uma viagem foi tranquila.

-- amanhã, se Deus quiser! --

Resolvi que já estava tarde para descer a Ruta de la Muerte, principalmente sabendo que na descida eu teria que ficar do lado do abismo. Segui até Coroico pela via asfaltada, uma estrada muito boa por sinal. E com paisagens bacanas, também.

-- cara, eu parei umas 50 vezes em 50 km, no mínimo --

-- tinha uns platôs pra entrar, descansar e fotografar --

Aí, de repente, eu vi uma cidadezinha incrustada na montanha, lá embaixo. Só podia ser Coroico, e ela ainda tava longe. Dei uma acelerada pra não chegar muito tarde.

-- vish, vou chegar à noite... --

Cheguei no Hostel Chawi, em Coroico, era umas sete da noite. Subi uma escadinha estreita, abri o portão, entrei e depois de alguns passos, um cachorrão veio vindo em minha direção. Parei, ele me cheirou e ficou de boa. Fui até a porta, umas hóspedes foram chamar o proprietário pra me receber. O Inti é um cara muito gentil, me explicou que havia um portão maior nos fundos, pra eu ir com a moto até ali que ele ia lá abrir. Guardei a moto, e vinha conversando com o Inti quando de repente -- NHAC! -- o cachorro mordeu minha capa de chuva, na traição, e fez um rasgo grande no joelho. Inti se desculpou, me arrumou umas fitas adesivas pra ver se eu conseguia arrumar e ficou tudo bem.

Tomei um banho -- até aqui, a melhor ducha da Bolívia! -- e depois o Inti me indicou uma lan house e um restaurante bom. Fui à lan house com uma garota canadense que ia começar um intercâmbio em Lima, no Peru. Depois de falar com a minha Preta, fomos ao restaurante, sentamos com uma suíça que mora em Brasília e sua amiga peruana. Conversamos bastante em português, inglês, espanhol, comemos um espaguete alfredo -- muito bom, por sinal -- e voltamos tarde pro hostel, dormir que o dia seguinte seria loko demais!

NOTA PARA CURIOSOS: 
REPARE NA PRIMEIRA FOTO DO POST. TEM UM BONECO PENDURADO NO POSTE PELO PESCOÇO. ISSO É COMUM NA BOLÍVIA, PRINCIPALMENTE EM PERIFERIAS OU EM VILAREJOS. É UM AVISO À BANDIDAGEM: SE APRONTAR AQUI, NÓS DAMOS UM JEITO SEM A POLÍCIA. UM DOS CARAS LÁ NA CASA DE CICLISTAS ME CONTOU QUE VIU ACONTECER UM LINCHAMENTO EM UMA CIDADEZINHA PORQUE O SUJEITO TINHA FEITO ALGUMA COISA RELACIONADA A PEDOFILIA. ELES TÊM UMA ESPÉCIE DE JURI POPULAR, JULGAM O CARA NO MEIO DA RUA E, SE CONCLUÍREM QUE ELE É CULPADO...

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

19 de fevereiro - La Paz

A noite foi fria. Por volta das 2h da manhã eu levantei pra ir ao banheiro e o termômetro tava marcando 6 graus. Nada mal pra uma noite de verão! Acordei cedo, tomei dois copos de iogurte de chirimoya, que é uma fruta muito parecida com a nossa fruta-do-conde [ou pinha, ou ata, depende do lugar onde você mora].

-- dois litros de iogurte consistente, paguei pouco mais de três reais --

Ainda de manhã, saí pra levar a moto na concessionária da Honda pra trocar óleo, trocar corrente e dar uma revisada nos freios. Pra um serviço que aqui em Bauru eles fazem em 15 ou 20 minutos, tive que largar a moto lá até o dia seguinte na hora do almoço.

Saí de lá a pé e fui dar um rolezão no centro de La Paz. No segundo dia já estava cansando menos, mas ainda assim foi difícil. Apesar do frio da noite, a manhã estava bem quente e as ladeiras são uma grande treta.

-- e tome ladeira! --

Na avenida principal tava rolando uma passeata cheia de cholas, reivindicando alguma coisa relacionada a trabalho campesino e reforma agrária, mas não consegui entender bem o que era. Me chamou a atenção o tamanho da passeata e a forma ordeira como ela se desenrolou.

-- descobri que as cholas ganham uma grana do
governo pra se vestirem com essas roupas típicas --

-- e o Cristoforo Colombo olhando de camarote... --

Almocei no Burger King, pois era um dos únicos lugares que tinha conexão wireless. Eu tinha que enviar uma grana pra Denise e precisava pegar o número da conta dela. E também era preciso pesquisar onde era o Banco do Brasil, pois ele havia mudado de endereço e ninguém sabia me dizer onde ficava.

-- vista de La Paz do elevador do edifício onde fica o Banco do Brasil --

-- La Paz: manchas laranjas encostadas nas montanhas --

Depois do almoço achei o banco e encontrei uns brasileiros lá. Uns caras de Manaus que estudam medicina em La Paz. A faculdade mais barata em Manaus custava R$ 2.000,00; com essa grana, eles pagam aluguel, fazem compras, pagam a faculdade e um deles tá economizando pra comprar uma motoca. Bela diferença!

-- um dos manauaras se ofereceu pra me fotografar, pra provar que estive ali mesmo --

Fiz o que tinha que fazer e voltei pra Casa de Ciclista. Fiquei boa parte da tarde limpando a mochila e arrumando as coisas.

Os ciclistas chilenos se despediram, fizemos fotos e eles seguiram viagem, rumo ao Equador. Na sequência, fui ao supermercado e fiquei encantado com a variedade de batatas que se encontra por lá.

-- essas batatas escuras têm um gosto bom, mas a textura é difícil de acostumar --

-- essas rosadas são MUITO boas! --

Na volta, já estava tranquilo em relação à altitude, não sentia mais aquele cansaço terrível. Então resolvi fazer um caminho maior e fazer algumas fotos.










Cheguei no apê, preparei umas batatas diferentonas com queijo, troquei ideia um pouco com o pessoal que tava hospedado, liguei pra Denise e dormi cedo, com a chuva caindo la fora.